RIO DE JANEIRO
História dos bondes em 75 Fotografias
da coleção de Allen Morrison

Esta é uma pesquisa ilustrada do desenvolvimento do serviço de bondes na cidade do Rio de Janeiro (Brasil), mostrando imagens que não apareciam no meu livro The Tramways of Brazil nem nas páginas sob o título Electric Transport in Latin America.

Parte 2 (de 3): período de 1890 a 1910

Tal como aconteceu com os bondes puxados a burro, muitos anos antes, a era dos bondes elétricos no Brasil começou no bairro da Tijuca, no Rio de Janeiro. O projeto de 1890 era uma extensão da linha de bondes da Tijuca até o Alto da Boa Vista (altitude 385 metros) [vide mapa] . Planos para uma ferrovia a cremalheira e para uma linha de bondes puxados a cabo (como a de San Francisco, na Califórnia) foram rejeitados nos anos 1880. Finalmente, a Companhia Estrada de Ferro da Tijuca (EFT), fundada em outubro de 1890, adquiriu a concessão para construir uma linha de bondes de bitola estreita e assinou em Nova Iorque, em maio de 1891, um contrato com a Thomson-Houston Electric Co. (posteriormente rebatizada como General Electric Co.). A Thomson-Houston enviou para o Rio um engenheiro canadense, de nome James Mitchell, que não só ajudou a construir a linha de bondes elétricos do Alto da Boa Vista como também auxiliou na eletrificação do sistema de bondes da Companhia Ferro-Carril do Jardim Botânico (linhas da Zona Sul) e da Ferro-Carril Carioca (linhas de Santa Teresa). Mitchell tornou-se representante-chefe de vendas da GE no Brasil [foto cortesia de seu bisneto, John Stancioff]:


Mitchell e o diretor da EFT, Adolfo Aschoff, encomendaram caldeiras, geradores, máquinas a vapor e 12 bondes elétricos fabricados pela firma John Stephenson, dos EUA , e começaram a assentar trilhos na bitola de 600 mm ao longo do que na época era chamada Estrada Nova da Tijuca (atual Avenida Edson Passos) [vide mapa]. Eles construíram uma usina termoelétrica e uma garagem de bondes na rua São Miguel, quase esquina com a avenida Edson Passos e próximo ao final da rua Conde de Bonfim. Como a usina se destacava na paisagem quase desabitada daquela época, a área inteira tornou-se conhecida como Usina, denominação que perdura até os dias de hoje [cartão postal, coleção AM]:


Os novos bondes elétricos – os primeiros na América Latina – começaram a chegar em fins de 1891. O de número 53, da foto abaixo, era um dos três bondes mistos – destinados a transportar passageiros e bagagem. Todos os bondes eram de cor vinho e bidirecionais – tinham controles em ambas as extremidades e por isso podiam trafegar nos dois sentidos [coleção Alfredo Spinelli, via AM]:


O bonde abaixo, de 10 bancos (número de ordem desconhecido), está prestes a deixar a área da garagem da companhia e dobrar à direita na Estrada Nova da Tijuca (atual Av. Edson Passos) [vide mapa] [coleção Alfredo Spinelli]:


Infelizmente, a EFT se endividou e não pode honrar seus compromissos. A construção parou em 1893 e seus bondes elétricos, que poderiam ter sido os primeiros a rodar na América do Sul, acumularam poeira na garagem durante sete anos. Após a fiação ser estendida e a bitola refeita para 1435 mm, a linha finalmente entrou em serviço regular, em 14 de setembro de 1898. Tal como a ferrovia a cremalheira do Corcovado, a Estrada de Ferro da Tijuca tornou-se uma atração turística bem popular [coleção AM]:


Um bilhete de passagem da EFT (ampliado) [Julio Meili, Das Brasilianische Geldwesen, 1903]:


Em 1891, enquanto estava trabalhando na linha da Tijuca, Mitchell foi incumbido por José de Cupertino Coelho Cintra, diretor da Companhia Ferro-Carril do Jardim Botânico (ex-Botanical Garden Rail Road Company) de auxiliá-lo a eletrificar aquele sistema, que havia adquirido considerável tamanho. Em agosto de 1891, Coelho e Mitchell encomendaram à General Electric materiais similares àqueles adquiridos para a companhia da Tijuca. Para a John Stephenson encomendaram apenas três bondes, parecidos com os novos elétricos da EFT, embora fossem mais largos para se adaptarem à bitola de 1435 mm da Jardim Botânico. As primeiras experiências com a tração elétrica ocorreram em 12 de agosto de 1892, e em 8 de outubro do mesmo ano o presidente do Brasil, Floriano Peixoto, compareceu à inauguração da primeira linha de bondes elétricos a transportar passageiros na América do Sul [coleção C. J. Dunlop]:


Na foto acima, James Mitchell é o segundo, da esquerda para a direita. José de Cupertino Coelho Cintra é o terceiro. O presidente Floriano Peixoto é o terceiro a partir da direita, e suas pernas – e as calças brancas do personagem ao seu lado – estão escondendo o eixo central de um truque "Robinson Radial" de 6 rodas, o único exemplo no continente. Note as iniciais da Companhia Ferro-Carril do Jardim Botânico na parte superior do bonde.

Coelho Cintra, diretor da Jardim Botânico, encabeça o poster abaixo, que inclui no seu canto superior esquerdo uma vista diferente da cerimônia de inauguração da tração elétrica. O bonde está com uma bandeira norte-americana dependurada do coletor de energia do bonde. Na área principal do poster, vê-se um bonde circulando na rua 13 de Maio. [Noronha Santos, Meios de Transporte no Rio de Janeiro, volume 1, pág. 343]:


A Jardim Botânico encomendou mais cinco bondes elétricos da John Stephenson e cinco da Companhia Forjas e Estaleiros (de Niterói) em 1893. Em 1896 sua frota era de 25 bondes e ela começou a construir seus próprios bondes em 1897. Em 1903, possuía 85 bondes elétricos.

O trajeto eletrificado em 1892 ia do Largo da Carioca até o Largo do Machado: aproximadamente o dobro do percurso dos bondes puxados a burro da Botanical Garden (seu antigo nome) em 1868, quando ela começou a operar [vide mapa] . Fotos desses primeiros bondes elétricos são raras. Esta abaixo apareceu num maço de cigarros [coleção AM]:


Aparentemente o público tinha dúvidas sobre a segurança dos novos bondes elétricos da "Stephen Company" [coleção C. J. Dunlop]:


Entrementes, a gerência da Ferro-Carril Carioca contratou James Mitchell e a General Electric Co. para eletrificar o sistema de bondes de Santa Teresa. O cartão-postal abaixo mostra os trilhos que eles assentaram em cima do aqueduto do século XVIII, denominado Arcos da Lapa. Para ver mais 81 ilustrações desta linha acesse The Santa Teresa Tramway e Santa Teresa Tramway Vehicles [coleção AM]:


O cartão-postal abaixo mostra o ponto final dos bondes da Jardim Botânico, em frente ao chafariz do Largo da Carioca (que era também o destino da água trazida pelo aqueduto) [vide mapa]. A estação terminal dos bondes da Ferro-Carril Carioca ficava atrás do chafariz [coleção AM]:


Na ampliação do cartão postal, mostrada abaixo, vê-se um carro-motor de 10 bancos puxando dois reboques de 8 bancos cada. Observe o anúncio da "Manteiga Lepelletier" no carro-motor. Os bondes do Rio raramente traziam anúncios, nessa época. Exceto nos primeiros tempos, eles também raramente mostravam o nome – ou as iniciais – das companhias que os operavam [coleção AM]:


O cartão-postal abaixo mostra os bondes da Jardim Botânico circulando em mão inglesa, na rua 13 de Maio. Através da imagem se pode explicar o estranho loop no sentido horário, mostrado nos cartões-postais acima [coleção AM]:

Esta propaganda estava afixada junto à entrada dos escritórios da Jardim Botânico, no Largo do Machado [vide mapa] [detalhe de cartão-postal, coleção AM]:


Em 1892, os bondes puxados a burro da Jardim Botânico atravessaram o túnel – atual Túnel Velho ou Alaor Prata – para chegar à praia de Copacabana [vide mapa] . Os primeiros bondes elétricos fizeram o mesmo, em 1901. O cartão-postal abaixo mostra um segundo túnel – uma das bocas do atual Túnel Novo – que foi aberto em 1906. Na década de 1950 foi aberta outra boca desse mesmo túnel. A mostrada no cartão-postal é a que atualmente dá mão de Botafogo para Copacabana. O oceano Atlântico está atrás do fotógrafo, portanto o bonde está vindo de Botafogo [Marc Ferrez, coleção AM]:


Um bonde elétrico puxando reboque deixa a praia de Ipanema, cerca de 1905 [vide mapa] . Esta é a atual rua Francisco Otaviano. Todo um mundo e mercado novos se abriram para a companhia de bondes Jardim Botânico [cartão-postal, coleção AM]:


Entrementes, o sistema de bondes da companhia Vila Isabel [vide Parte 1] foi comprado pela Brasilianische Elektricitäts Gesellschaft de Berlim, que construiu essa grande usina de força e oficina no final da atual avenida Presidente Vargas – onde hoje é o conjunto habitacional Martin Luther King Jr, perto do elevado Paulo de Frontin. A intenção era eletrificar as linhas de bonde da antiga Villa Izabel, que cobriam alguns bairros da Zona Norte – Vila Isabel, Engenho Novo, Méier, Todos os Santos, Cachambi e Engenho de Dentro [coleção AM]:


Os novos proprietários importaram 50 bondes elétricos da firma Van der Zypen & Charlier, de Colônia (Alemanha) [coleção AM]:

   

Os novos veículos introduziram coletores de energia em forma de arco, fabricados pela Siemens. Todas as demais empresas de bonde usavam coletores do tipo trolley pole, também chamados de lança. A Ferro-Carril de Vila Isabel inaugurou a eletricidade na linha Mattoso, no dia 1º de julho de 1905. O bonde de número 49 na foto abaixo está dobrando da rua São Francisco Xavier para a rua General Canabarro, bem em frente ao Colégio Militar. O reboque era de segunda classe (passagens mais baratas) [coleção AM]:

Alguns dos novos bondes da Vila Isabel foram construídos no Rio de Janeiro por uma firma especializada em vagões de estrada de ferro e de bondes, chamada Trajano de Medeiros. Não demorou muito para que tais bondes subissem a montanha até o Alto da Boa Vista [vide mapa].

Na foto abaixo, as colegiais aguardam o início de uma excursão ao centro da cidade, em 1912. Nessa época a Vila Isabel já tinha sido incorporada à Light, que explorava os serviços de bonde de toda a cidade (exceto Ilha do Governador e a região de Campo Grande) [cartão-postal, coleção AM]:



Continua na Parte 3 da História dos Bondes do Rio de Janeiro

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