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Esta é uma pesquisa ilustrada do desenvolvimento do serviço de bondes na cidade do
Rio de Janeiro (Brasil), mostrando imagens que não apareciam no meu livro The Tramways of Brazil
nem nas páginas sob o título Electric Transport in Latin America. Parte 1 (de 3): período de 1859 a 1890 O Rio de Janeiro foi o campo de prova dos bondes no Brasil: a cidade teve sua primeira linha de bondes de tração animal em 1859, a primeira linha a vapor em 1862, a primeira linha elétrica em 1892, etc. No fim das contas, a cidade teve mais companhias de bondes, bondes em si, tipos de bondes, bitolas diferentes e quilômetros de trilhos do que outra cidade qualquer. O desenvolvimento inicial foi internacional. Thomas Cochrane era um médico homeopata escocês (primo do herói naval homônimo). Irineu Evangelista de Souza, o Barão de Mauá, era um empresário, industrial, banqueiro, político e o homem mais rico do Brasil. Charles Greenough foi anteriormente o engenheiro-chefe e gerente de uma linha de bondes nos Estados Unidos da América. O Barão de Mauá construiu e inaugurou a primeira seção da primeira ferrovia intermunicipal do Brasil, em 1854. Thomas Cochrane fundou a Companhia de Carris de Ferro da Cidade à Boa-Vista na Tijuca, em 1856, e construiu a primeira ferrovia urbana do Brasil: o comprimento era de 7 km, com início na Praça Tiradentes, percorrendo as ruas da Constituição, Visconde de Itaúna, Machado Coelho, Haddock Lobo e terminando na rua Conde de Bonfim, no bairro da Tijuca [vide mapa]. A bitola era 1676 mm, a mesma usada por Mauá na sua ferrovia. Vide abaixo parte do certificado de ações de Cochrane [coleção C. J. Dunlop]: O
veículo mostrado no certificado não era um carro da
Tijuca, e sim um desenho de um carro de ferrovia inglesa dos anos 1830
usado para decorar certificados. A origem e aparência dos
primeiros carros da Tijuca são desconhecidas, pois a maior parte
dos registros a esse respeito foram perdidos. Mas após extensa
pesquisa o historiador inglês J. H. Price chegou à
conclusão de que eles provavelmente vieram da firma Joseph
Wright & Sons, de Saltley, um subúrbio de Birmingham,
Inglaterra [coleção Ralph Forty]: O desenho abaixo, publicado em uma revista londrina em 1871, mostra dois carros da linha da Tijuca depois que ela foi comprada em 1870 pela empresa norte-americana Rio de Janeiro Street Railway Co. A paisagem é autêntica e o desenho é profissional, mas os dizeres nos veículos são amadorísticos e sem dúvida foram adicionados depois. Será que a gravura original foi feita em 1859? Note que os carros possuem três eixos e estão rodando na mão inglesa [D. J. Anderson, Eco Americano, London; coleção C. J. Dunlop]: |
Não importa qual tenha sido a origem e a aparência dos veículos, o fato é que o
Jornal do Commercio
relatou terem os dois carros da Tijuca entrado em testes em 1858 e
iniciado o transporte de passageiros no domingo, 30 de janeiro de 1859.
Renomeada para Estrada de Ferro da Tijuca, em 26 de março do
mesmo ano o imperador D. Pedro II batizou esta que foi a primeira ferrovia de rua do Brasil.
Dois carros puxados a cavalo em um trajeto de 7 km não proporcionavam bom serviço, e receitas minguadas não permitiam manter a linha em bom estado. O Barão de Mauá assumiu a companhia em 1861 e substituiu os animais por máquinas a vapor, em 1862. Ele comprou quatro locomotivas (pedido 420/1349) da firma Sharp, Stewart & Co., de Manchester, Inglaterra. Estas foram presumivelmente as primeiras locomotivas destinadas a esse tipo de serviço na América do Sul [Grace's Guide]:
Manoel Felizardo, Ministro da Agricultura da época, concedeu a Mauá a permissão para operar locomotivas nas ruas. As outras três máquinas se chamavam Irineu, Evangelista e Ajudante. Mas todas as quatro descarrilavam frequentemente nos frágeis trilhos e a linha fechou em 28 de novembro de 1866. Entrementes, Mauá adquiriu o privilégio para construir uma linha de bondes até o Jardim Botânico, e constituiu a Companhia do Caminho de Carris de Ferro do Jardim Botânico, em 1862. Mas os bancos estavam desiludidos com o fracasso da linha da Tijuca e os investidores escassearam. O desenvolvimento dos bondes no Brasil poderia ter permanecido estagnado durante muitos anos, não fosse o entusiasmo e espírito de aventura de Charles Greenough, engenheiro e gerente da companhia Bleecker Street & Fulton Ferry Rail Road, de Nova Iorque. Greenough soube das oportunidades no Brasil, viajou até o Rio de Janeiro, comprou o contrato de Mauá e fundou a Botanical Garden Rail Road Co., em 1866. O governo brasileiro estava relutante em permitir que outro estrangeiro construísse mais uma ferrovia de rua em sua capital, porém a permissão foi finalmente concedida e em 9 de outubro de 1868, em pleno decorrer da Guerra do Paraguai, o imperador D. Pedro II presidiu à inauguração da segunda ferrovia de rua: uma linha de 3 km que partia da rua do Ouvidor e fazia seu trajeto ao longo das ruas Gonçalves Dias, da Guarda Velha (atual 13 de Maio), da Ajuda, do Passeio, da Lapa, da Glória e do Catete, findando no Largo do Machado Ao contrário de Cochrane, Greenough tinha experiência com linhas de bonde, 17 financiadores e quinhentos mil dólares, e seu empreendimento foi um grande sucesso. Em seis meses o trajeto foi estendido até Botafogo, e em julho de 1869 havia 19 bondes circulando no Rio de Janeiro, todos eles construídos pela firma John Stephenson Co., de Nova Iorque. |
A foto abaixo é uma das duas existentes no Museum of the City of New York que mostra veículos construídos por Stephenson para a Botanical Garden Rail Road. O bonde possui o número "1", por isso é presumivelmente o primeiro construído pela firma para o Rio. A foto retrata também o mais antigo bonde confirmadamente construído para o Brasil. A outra foto na coleção do museu mostra um bonde-salão encomendado por D. Pedro II em 1878. Esse bonde, infelizmente, afundou juntamente com o navio que o transportava para o Brasil, durante uma tempestade perto do Cabo Hatteras. |
A Botanical Garden Rail Road (BGRR) passou a usar bondes abertos em 1870, estabelecendo o padrão para as demais companhias no Rio de Janeiro e na maior parte do Brasil. Em 1º de janeiro de 1871 a linha atingiu o Jardim Botânico, a 10 km do centro da cidade [vide mapa], e em 1875 havia 600 animais puxando 71 bondes – 36 abertos, 33 fechados e 2 mistos (para passageiros e carga). Em 1879 a companhia inaugurou comunicação telefônica entre suas estações. Como o sistema de bondes era bem construído, bem gerenciado e servia bairros ricos da Zona Sul da cidade, ele se tornou a menina dos olhos no Brasil. Eis abaixo um dos bilhetes de passagem de Greenough (ampliado) [coleção C. J. Dunlop]: Logo a seguir, outro norte-americano, Albert Hager, fundou a Rio de Janeiro
Street Railway em Nova Iorque, e abriu em 25 de novembro de 1869 a terceira
linha no Rio, entre o centro da cidade e os jardins da Quinta da Boa
Vista. A bitola era de unusuais 1372 mm, posteriormente mudada para
1435 mm, igualando-se à da linha da Botanical Garden. Em 1870
Hager mudou o nome da sua empresa para Companhia de São
Cristóvão e reabriu a linha de Cochrane para a Tijuca,
que estava fechada havia três anos. Um brasileiro, João Batista Viana Drummond, inaugurou em 29 de novembro de 1873 o quarto sistema: a Ferro-Carril da Vila Isabel, de bitola 1435 mm [vide mapa]. Quatro outras companhias entraram em operação nos anos 1870: a Companhia Locomotora em 1872, a Companhia Ferro Carril Fluminense em 1873, a Empreza de Carris de Ferro de Santa Theresa em 1875, e a Companhia Ferro Carril Carioca e Riachuelo em 1877. Todas elas usavam bitola 820 mm e foram fundidas em 1879, dando origem à Companhia Carris Urbanos. (A companhia Santa Teresa, de 1875, operava apenas na parte baixa da cidade. A companhia Carioca e Riachuelo, de 1877, construiu um funicular e uma linha isolada e separada do resto, na parte elevada de Santa Teresa, e que evoluiu até o atual sistema de bondes ainda sobrevivente naquele bairro.) A maioria das primeiras companhias de bonde do Rio compraram carros da John Stephenson Co., de Nova Iorque. Mas houve exceções. Em 23 de julho de 1874, o diretor gerente da Cia Ferro Carril Fluminense encomendou 26 bondes – 20 abertos e 6 fechados! – para um fabricante carioca de carruagens chamado Röhe Irmãos. Este anúncio, publicado anualmente no Brasil pelo Almanak Laemmert, mostrava um bonde da Stephenson no qual a Röhe havia escrito seu nome (compare com a fotografia de um bonde Stephenson original, vista mais acima). Não sabemos se a Röhe copiou o modelo da Stephenson ou se apenas usou-o com fins de publicidade. Mas os bondes parece terem sido construídos – e podem ter sido os primeiros bondes construídos na América do Sul. As carruagens, os bondes e outros equipamentos de transporte da Röhe destacaram-se proeminentemente na Exposição da Indústria Nacional em 1881. O Jornal do Commercio publicou esse anúncio:
Uma revisão da exposição observou que a Companhia de Carris Urbanos também construiu bondes, que, no entanto, julgou inferior àqueles feitos por Röhe. O artigo descreve este modelo de 5 bancos [col. C. J. Dunlop]: Hora
de trocar as parelhas de cavalo que puxam este bonde da Stephenson,
operado pela C.V.I. (Companhia Vila Isabel). Os corcéis da
direita parecem estar bem conscientes da presença da
câmera fotográfica. Ao contrário dos animais, o
cocheiro que puxa o cavalo está descalço
[coleção AM]: Um imóvel da companhia "BONDS DA VILLA GUARANY", construído em 1883, foi preservado por causa desta frisa, recentemente restaurada. O local , na Rua Pedro Alves 210, não é longe do terminal da Praia Formosa do novo VLT carioca [vide mapa] [coleção AM]: Não é exatamente um bonde – mas também não é um trem. A Estrada de Ferro do Corcovado inaugurou em 9 de outubro de 1884 a primeira seção de sua ferrovia a cremalheira, de bitola métrica, que sobe até uma altitude de 670 m [vide mapa]. As primeiras locomotivas vieram da firma alemã Maschinenfabrik Esslingen. Foi a primeira ferrovia turística na América do Sul, e funciona até hoje [coleção AM]: O
imperador D. Pedro II encomendou outro bonde-salão em
1887, desta vez da Gilbert Car Works, de Troy, Nova Iorque. Sua
antecessora, Eaton, Gilbert & Co. (EG) havia construído os
primeiros bondes para a Cidade do México em 1857, para Santiago
do Chile em 1858 e para Havana, em Cuba, no ano de 1859. A EG
também pode haver construído bondes para o Rio de
Janeiro, porém não foram encontradas evidências
fotográficas ou escritas sobre isso [coleção AM]: O bonde da foto acima foi encompridado e reformado como um "Carro de Luxo", agora elétrico, em 1912 [coleção AM]: Em
1888 a companhia Vila Isabel encomendou da J. G. Brill Co., da
Filadélfia, três bondes abertos como este abaixo. As
ferragens tornavam os carros mais duráveis, porém mais
pesados e mais difíceis de serem puxados pelos cavalos, e a Vila
Isabel não encomendou mais nenhum [coleção AM]: A
maioria dos bondes em uso pelo público no final do século
19 e início do 20 eram pequenos e feitos de madeira. Em 1905 foi
inaugurada a Avenida Central, rebatizada de Avenida Rio Branco em 1912,
de forma que este cartão-postal foi feito nesse período.
A vista é em direção à Cinelândia. O
bonde está indo em direção à Praça
XV. O Pão de Açúcar é visível ao
longe [vide mapa] [coleção AM]: Uma das notas de cruzado,
padrão monetário usado nos anos 1980, mostrava um grupo
desses tipos de bonde na rua Primeiro de Março, em 1905. Este
era o centro comercial da cidade naquela época e também o
terminal de várias linhas de bondes puxados a burro
[coleção AM]: Este cartão-postal mostra um tipo especial de bonde, destinado a carregar
tanto passageiros quanto bagagem [coleção AM]: Eis um outro tipo de bonde bagageiro, que o povo chamava de "caradura". A firma John Stephenson construiu os primeiros no ano de 1884, para a Jardim Botânico. Esta foto foi tirada em 1907 [Augusto Malta, coleção C. J. Dunlop]: A
foto abaixo mostra um modelo aberto, de bancos transversais, que a John
Stephenson apresentou em 1870 e que tornou-se o modelo-padrão
para bondes abertos em todo o Brasil, durante o século 19
[coleção AM]: Este
tipo ainda estava rodando em 1908. Os últimos bondes puxados a
burro no Rio de Janeiro foram substituídos por elétricos
em 1910. Por que esses marinheiros fizeram essa pose? Seriam eles
fãs de bondes puxados a burro? [cartão-postal,
coleção AM]: |
Continua na Parte 2
da História dos bondes do Rio de Janeiro |