Os Bondes e Trólebus de
C A M P O S
Estado do Rio de Janeiro
BRASIL

POR
Allen Morrison
Texto traduzido ao português por
Valdo Felinto


A cidade de Campos dos Goytacazes – em geral chamada simplesmente de Campos – é atravessada pelo rio Paraíba do Sul, na parte oriental do Estado do Rio de Janeiro, a 40 km do mar e a 275 km a nordeste da cidade do Rio de Janeiro [ver mapa da área]. Era um dos centros da indústria de açúcar do Brasil e tinha uma população de 30.000 habitantes em 1910. Hoje tem quase meio milhão. Campos distingue-se por ser a primeira cidade do Brasil – antes mesmo de Rio de Janeiro e São Paulo – a instalar, em 24 de junho de 1883, iluminação elétrica em suas ruas.

A ferrovia de locomotivas a vapor, carinhosamente chamadas de “Marias-Fumaça”, que ligava Niterói e Macaé, estendeu-se a Campos em janeiro de 1875 [ver mapa da área] e a empresa Ferro-Carril de Campos instalou uma linha de bonde à tração animal ao longo da Av. Alberto Torres, entre a Estação do Saco e a Praça São Salvador, em setembro deste mesmo ano [veja mapa da cidade]. A foto abaixo mostra dois de seus bondes [col. Carlos Wehrs]:

O bonde à tração animal seria o único transporte público da cidade pelos próximos 41 anos. Em 1891 começou-se a discutir a construção de uma linha que atravessasse o rio, mas nada se concretizou. A foto a seguir mostra a linha de bondes da Av. 15 de Novembro (Beira-Rio) bloqueada por uma das frequentes enchentes do rio Paraíba [ver mapa] [col. AM]:

O bonde se espalhou pela cidade. De acordo com o Anuário Estatístico do Brasil [ver BIBLIOGRAFIA, abaixo], a companhia Ferro-Carril de Campos operava 20 carros para passageiros e 5 carros bagageiros destinados ao transporte de cargas, através de 16 km de trilhos em 1912. O sistema transportava 1.982 mil passageiros e tinha 71 funcionários e 181 mulas.

A  CBTLF – Companhia Brasileira de Tramways, Luz e Força – foi registrada em Campos em 13 de agosto de 1914. Entre os anos de 1914 e 1916 adquiriu, da companhia Trajano de Medeiros do Rio de Janeiro, dez bondes elétricos de 6 bancos, e da empresa J. G. Brill Co. da Filadélfia (Brill ordens 19806 e 20126) dez chassis modelo 21-E.

A CBTLF testou seu primeiro bonde elétrico em 28 de setembro de 1916, começando a cobrar pelo serviço a partir de 14 de outubro, e formalmente inaugurando o sistema de bondes elétricos da cidade – na presença do governador do Estado do Rio de Janeiro, Nilo Peçanha, e do presidente do Brasil, Wenceslau Braz – em 5 de novembro de 1916. A bitola da linha (distância entre os trilhos) era de um metro [col. Biblioteca Municipal Nilo Peçanha]:

A cena do cartão postal abaixo mostra um dos novos bondes elétricos que passam o obelisco na Av. 15 de Novembro (Beira-Rio) [ver mapa]. O obelisco ainda está lá até hoje. A data de envio deste postal é 1925 [col. AM]:

Abaixo outro cartão postal com um bonde que corre ao longo do parque da Beira-Rio na mesma Av. 15 de Novembro [ver mapa] [col. AM]:

A seguir o bonde de número 1 (um) em um local não identificado na linha Goytacazes [ver mapa] [col. AM]:

Dois bondes elétricos no lado leste da Praça São Salvador [ver mapa] em frente ao belo prédio da sede da Sociedade Musical Lira de Apolo. O bonde visto parcialmente no canto direito da imagem parece ser um modelo de carga. Os automóveis e roupas sugerem 1920, mas o cartão postal foi enviado em 1928 [col. AM]:

Este bonde vem direção à Av. Pelinca, que está por trás do fotógrafo [ver mapa]. A vista é para o leste. Os guarda-corpos à esquerda e à direita da foto são parte da ponte sobre o Canal Campos-Macaé, que esta linha do bonde atravessa [cartão, col. AM]:

A propriedade e a operação dos bondes passou para a Prefeitura Municipal em 1923 e para o Serviços de Força, Luz e Viação em 1928. A World Survey of Foreign Railways (Pesquisa Mundial de Ferrovias Estrangeiras) [ver BIBLIOGRAFIA] documenta 10 bondes, 11 reboques também para transporte de passageiros e 2 carros bagageiros operando ao longo dos 22 km de trilhos em Campos, em 1933. A garagem dos bondes eléctricos e, mais tarde, dos trólebus (ônibus elétricos), ficava na Rua Tenente Coronel Cardoso, antiga Rua Formosa [ver mapa]. Em 1934 a operação do sistema foi transferida para os Serviços Industriais do Estado, e foi novamente reorganizada em 1940 como Serviços Industriais do Norte do Estado ("SINE"). Na imagem a seguir vemos o último dos bondes (originalmente aberto e com seis bancos) transformado em fechado e que recebeu o apelido de “Bonitão”. Em sua transformação manteve-se o chassi original Brill 21-E [col. AM]:

O chassi possuía dois motores, um na dianteira e outro na traseira. Com este arranjo o bonde podia inverter a direção do movimento sem a necessidade de realizar manobras [ver fotos do chassi Brill 21-E].

Em 1939 o sistema de bondes de Petrópolis interrompeu os seus serviços ferroviários [ver mapa da área]. Isto possibilitou que em 1942 o SINE adquirisse, deste espólio, dez bondes de segunda mão do modelo fechado de oito janelas. Acredita-se que os bondes mostrados nas restantes fotos, nesta página, foram reconstruções – por SINE ou por Trajano de Medeiros, no Rio de Janeiro – destes carros, de segunda mão, de Petrópolis [col.Wanderley Duck]:

A pesquisa do IBGE de 1945 [ver BIBLIOGRAFIA] relacionou 16 carros de passageiros motorizados, dois carros motorizados de carga e dois reboques de carga em 20 km de pista. O sistema de bondes tinha 140 funcionários e transportou 8.143.000 passageiros naquele ano. O cartão seguinte mostra o antigo bonde de número 14, já todo reformado, na Praça São Salvador na década de quarenta [ver mapa].Observe o prédio sede da Sociedade Musical Lyra de Apolo, também visto em postal anterior. Este prédio incendiou-se em 1993 e agora está sendo recuperado. O predio dos "TELEGRAPHOS" que vemos à esquerda já não existe [col. AM]:

O cartão seguinte é uma foto que olha para o sul, através da Rua 13 de Maio em direção a sua junção com a Rua 7 de Setembro [ver mapa]. Atualmente estas ruas são para pedestres apenas [cartão, col.AM]:

Campos também adquiriu alguns bondes de segunda mão do sistema de Niterói no final de 1940. O cartão abaixo, datado de novembro de 1947, traz foto tirada com a piscina do Clube de Regatas Saldanha da Gama em primeiro plano e, ao fundo, um bonde não identificado seguindo a margem do Rio Paraíba próximo a Praça São Salvador [ver mapa]. No local deste clube hoje se encontra o edifício de um Shopping Center [col. AM]:

Um flagrante feliz do bonde número 20. Nota-se já a presença dos fios duplos dos ônibus elétricos (trólebus) [col. Biblioteca Municipal Nilo Peçanha]:

Uma visão interior incomum [col. Biblioteca Municipal Nilo Peçanha]:

Em maio de 1951 Campos recebeu uma oferta de bondes de segunda mão do Cincinnati Street Railway nos EUA, que tinha fechado o seu sistema em abril. Foi uma oferta desconcertante pois os carros eram claramente inadequados: modelos de 4 eixos, 14 metros de comprimento, construídos para uma bitola de 1.587 milímetros (a bitola do sistema de bondes de Campos era de um metro) e que tinham os controles em apenas uma das extremidades do carro. Para viabilizar seu uso o sistema de bondes de Campos teria que construir laços para manobras. No sistema já instalado bastava virar os encostos dos bancos para a outra direção e o motorneiro caminhar para a outra extremidade do veículo e assumir os controles ali duplicados. Com todos estes pontos inadequados a proposta foi recusada. Além disso, neste mesmo ano de 1951, surgiu um fato novo...

Um engenheiro do SINE de nome Ariosto Lannes Rabelo que em 1937 já havia planejado um sistema de trólebus para Campos (uma dúzia de anos antes do sistema inaugurado em São Paulo, que foi o primeiro do Brasil) agora veria seu sonho finalmente tornar-se realidade. O governo do Estado do Rio adquiriu 45 trolebus modelo VBRh da Société Anonyme des Véhicules et Tracteurs Électriques [VETRA] na França, para operação em Niterói, Campos e Petrópolis. O jornal Folha do Comércio de Campos de 21 de março de 1952 anunciou que seus "obsoletos bondes" logo seriam substituídos por 15 novos trólebus importados da França. Os 45 trólebus chegaram a Niterói em 04 de março de 1953 e esta cidade inaugurou o seu sistema de ônibus elétricos no novembro seguinte. Em 1954 SERVE, o seu operador de transporte, enviou o trólebus VETRA de número 10 a Campos para uma exibição [ver Jornal Ururau]. A foto abaixo foi tirada na Praça São Salvador, em frente à catedral, em 22 setembro de 1954 [ver mapa] [col. AM]:

O trólebus 10 foi exibido na cidade na Exposição Agropecuária na semana seguinte. SERVE enviou mais oito trolebus VETRA em 1957 e SINE inaugura a primeira linha do sistema de trólebus de Campos, ligando a Praça São Salvador à "Estação de Saco", em 29 de junho de 1958 [ver mapa e o artigo da Folha do Comércio de 01 de julho de 1958].

Mais tarde naquele mesmo ano, a linha "Estação do Saco" (Estação Ferroviária da Leopoldina Railways em Campos) foi estendida pela Rua Tenente Coronel Cardoso (Rua Formosa) tornando-se uma linha circular. Após isto, em 1959, criou-se a linha que seguia para o “Parque Leopoldina” e novos percursos foram construídos no centro da cidade. A extensa linha que seguia até a Usina Santo Antônio foi inaugurada em 1962. O sistema de trólebus de Campos expandiu-se, mas a sua frota permaneceu pequena: parece que SINE nunca adquiriu os 15 trólebus como originalmente planejado. Petrópolis determinou a construção da rede aérea (para a fiação) para um sistema de trolebus em 1956, mas nunca pôs seu sistema em operação. Os trolebus VETRA em Campos e Niterói, juntamente com aqueles em Santiago do Chile, foram os únicos trólebus de fabricação francesa nas Américas.

Enquanto isso, os bondes da cidade continuaram a correr – pelo menos os números 14 e 20, que parecem ser os únicos mostrados nas fotografias da época. Mas seus dias estavam contados. Os veículos e os trilhos que usavam eram de meio século de idade, e as falhas de energia e inundações frequentes encorajavam cada vez mais o uso de ônibus que já atendiam às mesmas rotas. O bonde 14 fez a sua última viagem na linha Caju em 14 de novembro de 1964, o 75 º aniversário da república brasileira. A foto abaixo mostra este carro preparando-se para sair da Praça São Salvador, pela última vez [ver mapa]. O motorneiro foi Alex Marmelo, o fiscal com a prancheta foi Vicente Paulo Calheiros, e o cobrador foi Bento Benício Ribeiro Moço [col. Biblioteca Municipal Nilo Peçanha]:

Aqui vemos o número 14, no fim da linha, em frente ao cemitério, pouco antes de retirar-se definitivamente para a garagem de bondes [ver mapa] [col. Biblioteca Municipal Nilo Peçanha]:

Esta foto de 2013 mostra o mesmo ponto no portão do cemitério onde o bonde 14 se despediu 49 anos antes [Google Maps 'Street View']:

O sistema de bondes de Campos funcionou por 89 anos, sendo nos 48 últimos movido à eletricidade. O sistema de trólebus foi fechado três anos depois, em 12 de junho de 1967. Ele tinha corrido menos de nove anos. A linha suburbana da Usina de Santo Antônio do moinho de açúcar foi a última. Supõe-se que os trólebus VETRA foram vendidos como sucata para a usina siderúrgica de Volta Redonda [ver mapa da área].

O bonde 14 foi "resgatado" e colocado em exposição em outubro de 1977 no Centro Cívico Oswaldo Lima, onde a foto abaixo foi tirada [Alceir Maia Mendonça]:

Em 1987, vários líderes proeminentes da cidade formaram a "Comissão Bonde 14" para restaurar o carro e preservá-lo em um museu. Mas a idéia não saiu do papel e o que restava do veículo foi desmantelado. Só este modelo construído pelo artista local Alceir Maia Mendonça foi preservado em um museu [J. Pimentel]:

O Estado do Rio de Janeiro foi conhecido por suas plantações de açúcar, que muitas vezes tiveram ferrovias a vapor privadas. Esta imagem do cartão mostra uma linha não identificada perto de Campos [col. AM]:

A cidade hoje. Mirando-se o sudoeste através da curva do rio [ver mapa] ['Vladhillrj', Wikimedia Commons]:

 

 

BIBLIOGRAFÍA
(em ordem de publicação)

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Directoria Geral de Estatística. Anuário Estatístico do Brasil 1908 -1912. Rio de Janeiro, 1917. A seção "Emprezas de Carris Urbanos" fornece estatísticas históricas para os sistemas eléctricos de transporte nas cidades brasileiras, incluindo Campos. Dados para 1912.

EUA. Bureau de Comércio Exterior e Interior. World Survey of Foreign Railways. Washington, 1933. Dados das linhas de bonde nas cidades brasileiras, inclusive Campos.

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Conselho Nacional de Estatística. Transportes - Meios de Transportes - Transportiloj, 1945. Rio de Janeiro, 1945. Dados trilíngues para principais sistemas de bondes do Brasil em vol. II, p. 93ff.

"Campos contará, dentro de um ano, com o que há de mais moderno em transporte coletivo" in Folha do Comércio (Campos), 21 III 1952. Excelente artigo sobre o projeto para a implantação próxima do sistema de trólebus da cidade. Veja a transcrição manuscrita.

"Inaugurada com a presença do povernador Miguel Couto a Primeira Linha de Ônibus Elétricos" na Folha do Comércio (Campos), 1 VII 1958. Descrição da cerimônia de inauguração do novo sistema (com quatro trólebus), dois dias antes. O artigo enfatiza a contribuição do engenheiro Lannes Rabelo e diz que a "Cia. Vetre" enviará mais 50 trolebus em breve... Ver transcrição manuscrita do artigo.

Guia Geral da Cidade de Campos - 1963. Guia Geral da Cidade de Campos – 1963. O capítulo "Bondes à tração animal, elétricos e trólebus: sinopse histórica" nas páginas 8 e 13 linhas de desenvolvimento dos transportes. Registros de dados pesquisados até o ano de 1961.

Três belos desenhos a cores, feitos por Sylvio Prestes, mostrando o trólebus SERVE número 10. Boa descrição.

"Ha 55 Anos, era inaugurada a 1ª Linha de Ônibus Elétricos de Campos" in Jornal Ururau (Campos), 29/6/2013. Excelente cronologia da história do trólebus na cidade. Clicar no link.

 

O autor está à procura de imagens de trólebus, em serviço, em Campos...

 

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